Um pealo — um tombo — grunhidos
de impotente rebeldia,
o sangue da cirurgia
No laço e no maneador.
Nada pra tapear a dor
do potro que — sem saber,
perdeu a razão de ser
na faca do castrador. Há um bárbara eficiência
nessa rude medicina,
a faca é limpa na crina
que alvoroçada revoa,
pouco interessa que doa,
a dor faz parte da vida.
Há de sarar em seguida,
desde guri tem mão boa.Aprendeu — nem sabe como,
a estancar uma sangria.
Sem noções de anatomia
é um cirurgião instintivo
que — por vezes — pensativo,
afundou na realidade
da crua barbaridade
desse ritual primitivo.Já faz tempo — muito tempo,
que um dia — na falta doutro,
castrou seu primeiro potro,
um zaino negro tapado.
Que pena vê-lo castrado,
o entreperna coloreando
e os olhos recriminando,
num protesto amargurado.Depois do zaino — um tordilho,
depois — baios e gateados,
um por um sacrificados
pela faca carneadeira
e o rude altar da mangueira
a pedir mais sacrifícios
dos bravos fletes patrícios,
titãs de campo e fronteira. Por muitos e muitos anos
andou nos galpões do pampa,
castrando pingos de estampa
com renomada experiência,
cavalos reis de querência,
parelheiros afamados,
pela faca condenados
a morrer sem descendência.Às vezes, durante a noite,
um pesadelo o volteia
e o remorso paleteia.
Castrador!… que judiaria!
E quando sem serventia
por aí deixar semente
no mundo onde há tanta gente
pedindo essa cirurgia. E ali está — defronte ao rancho,
pastando o mouro do arreio,
pingo de campo e rodeio
que castrou — quando potrilho.
O mouro — mesmo que filho
do xirú velho campeiro,
o último companheiro
do seu viver andarilho.Na primavera — outro dia,
um potranca lazona,
linda como temporona,
vestida em pelagem de ouro,
veio se esfregar no mouro,
mordiscando pelo e crina,
mais amorosa que china
num princípio de namoro! E o mouro? — pobre do mouro!
Não pode ter namorada.
Veio, direto à ramada,
numa agonia sem fim,
olhando pro dono, assim,
num bárbaro desespero,
como dizendo: parceiro,
vê o que fizeste de mim!!
Composição: Jayme Caetano Braun.
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